sábado, 27 de abril de 2013

Túnel na Penha de França para desviar trânsito da Baixa

Hoje reproduzimos uma notícia publicada no jornal Público - Local, em 09.05.2011, da autoria do jornalista Carlos Filipe, seguida da carta que um membro da Comisão de Moradores do Bairro das Colónias então escreveu ao dito periódico mas que não foi publicada. Complementa-se com duas fotografias da Rua de Angola onde se pretende que venha a desembocar o túnel previsto para ligar a urbanização do Vale de Santo António ao centro da cidade.


Artigo
«Ideia da Circular das Colinas de Lisboa vai ser recuperada
Túnel na Penha de França para desviar trânsito da Baixa http://www.publico.pt/includes/img/vazio.gif?t=1306964197,74632
09.05.2011 - 17:58 Por Carlos Filipe

Um novo túnel rodoviário em Lisboa sob a colina da Penha de França ligará a Avenida Mouzinho de Albuquerque à Rua de Angola, no topo do Bairro das Novas Nações, já nos Anjos. O túnel terá uma extensão aproximada de 1100 metros.


Primeiro anel rodoviário da cidade será fechado com a construção de um túnel (Infografia: Público)

Por agora, a infra-estrutura é um anteprojecto que retoma a antiga ideia da Circular das Colinas, incluída no Plano de Urbanização do Vale de Santo António e já vertida para a proposta de revisão do Plano Director Municipal de Lisboa, que está em discussão. O custo estimado é de 15 milhões de euros e demonstra que deixou de ser tabu falar de novos túneis em Lisboa.

O vereador da mobilidade na Câmara de Lisboa, Fernando Nunes da Silva, confirma em declarações ao PÚBLICO que há vontade do executivo em realizar aquela obra, que considera "essencial". "O túnel da Penha de França representa a maior obra física a realizar, pois tudo o resto já existe. Só na zona do Rato são necessárias alterações e em ruas adjacentes. Ao longo do percurso basta abolir algumas zonas de estacionamento e proceder a nova sinalização. Será preciso acabar com o estacionamento em segunda fila na Infante Santo, alterar sentidos de tráfego na Estrela, desviar algum trânsito do Rato para a D. João V [na direcção das Amoreiras] e reordenar a Rua de São Bento [só bus no sentido descendente]." O ano de conclusão seria 2014, uma mera estimativa.

A ideia de uma nova circular automóvel na capital remonta à década de 1960, e o próprio projecto do túnel - que será micro, com uma via de circulação em cada sentido e interdito a veículos pesados, tendo sido concebido como uma das peças fundamentais daquela circular - seria o primeiro anel rodoviário da cidade. A ideia foi apresentada pela câmara, em Julho de 2004, pelo então vereador do trânsito, António Carlos Monteiro, do CDS.

Era uma ideia ainda mais ambiciosa, pois pressupunha a construção, não de um, mas de dois túneis: o de Mouzinho de Albuquerque, que poderia terminar na Rua de Angola, ou, em alternativa, na Praça Olegário Mariano, sob o prédio que remata o impasse daquele largo, no fim da Pascoal de Melo; e o segundo no Jardim da Estrela, entre as avenidas Pedro Álvares Cabral e Infante Santo.

Esta última hipótese foi abandonada, por questões de protecção patrimonial - a saída na Infante Santo ficaria próxima da Basílica da Estrela, que é monumento nacional -, e pela preservação das espécies arbóreas no jardim. Aquelas empreitadas estavam na altura avaliadas em mais de 120 milhões de euros.

Presidia então à autarquia Carmona Rodrigues, na mesma altura em que se encontrava suspensa a construção do túnel do Marquês de Pombal, por força de acção cautelar interposta por José Sá Fernandes, que contestava o avanço dessa a obra sem avaliação de impacte ambiental.

Uma nova tentativa de abordagem foi feita em 2006, mas o comissariado para o projecto de revitalização da Baixa-Chiado admitia a inviabilidade do projecto por dificuldade de financiamento. Na altura, o comissário (para o urbanismo, mobilidade e espaço público) hoje vice-presidente da câmara, Manuel Salgado, dizia, citado pelo Diário de Notícias, que seria "uma via de velocidade controlada que permitiria reabilitar todo o espaço público à superfície". Porém, e mesmo que descrito como estruturante para a revitalização da Baixa-Chiado, o projecto foi abandonado, por não se ter encontrado forma de financiamento.

Tráfego excessivo

Então como agora, os argumentos que sustentam a ideia do túnel são os mesmos, alegando a Câmara de Lisboa que é necessário livrar o eixo central da Baixa do trânsito de atravessamento, da mesma forma que diz não ser desejável que os fluxos oriundos de oriente ou ocidente encontrem na faixa ribeirinha a forma de condução aos seus destinos, ou uma via distribuidora.

Acresce, como dado novo, o lançamento do plano para a urbanização do Vale de Santo António, que abrange as freguesias de Santa Engrácia, S. João e, predominantemente, a da Penha de França. O plano prevê a colocação entre 6000 a 7500 novos habitantes naquele vale, onde estavam referenciados 5900 habitantes, em 2001.

Já desfasado no tempo, um estudo de tráfego encomendado em 2004 pela Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) para aquele projecto apontava para valores na ordem dos 12.000 veículos/dia nos dois sentidos entre a Mouzinho de Albuquerque e a Avenida Infante D. Henrique, que será o limite sul ao empreendimento.Após o imbróglio jurídico em que se viu mergulhado o túnel do Marquês - que só agora tem em curso obras do troço que desemboca na Avenida António Augusto de Aguiar -, não mais se ouviu falar em soluções rodoviárias semelhantes para a capital, a não ser do candidato Pedro Santana Lopes (PSD), que, em campanha para as últimas autárquicas, em Setembro de 2009, defendeu o desnivelamento do eixo na zona do Saldanha, para a ligação da Avenida Fontes Pereira de Melo aos túneis do Campo Grande e do Campo Pequeno.»
In: http://www.publico.pt/Local/tunel-na-penha-de-franca-para-desviar-transito-da-baixa_1493412?all=1



Carta
«Quando há doze anos troquei a minha casa numa zona periférica de Lisboa por esta onde actualmente vivo no Bairro das Colónias (Bairro das Novas Nações ninguém sabe onde fica) fui muito criticado por uns quantos amigos e conhecidos. Um bairro socialmente desqualificado e perigoso, diziam, só prostituição, droga e sem-abrigo. Tratava-se apenas de um sintoma de quem efectivamente não conhece a cidade e olha de longe para a sua geografia. Assim, o que viam era somente a proximidade física do bairro ao Intendente, na altura um grande foco de prostituição e, graças a uma desastrosa decisão política, porque não devidamente acompanhada, local que acolheu o tráfico e os consumidores de droga depois da operação apressada de limpeza do Casal Ventoso. A proximidade da Sopa dos Pobres frente à Igreja dos Anjos também não ajudava, com os mais desfavorecidos a procurarem aí sustento e, uns quantos, cama sob as árvores e os vãos de porta.
Só que o Bairro das Colónias, apesar da má fama, era a antítese de toda esta realidade. Oferecia alguma tranquilidade, genuína vivência urbana de bairro residencial que é ainda, com o seu comércio tradicional e os pequenos restaurantes a darem vida à rua, e onde as pessoas se conhecem e cumprimentam. Enfim, aqui ainda se mantinham vivas as relações humanas e o espírito de vizinhança. Para além disso, pasmem-se, oferecia qualidade urbanística, arquitectónica e construtiva. Na verdade era o conjunto urbano de arquitectura art déco e modernista mais bem conseguido e melhor preservado em toda a cidade, suplantando, em muitos aspectos, o tão badalado Bairro Azul seu congénere mais abastado. Ou seja, reunia um conjunto raro de características, numa cidade despovoada, desumanizada e descaracterizada. Não é, pois, à toa que o conjunto do Bairro das Colónias integra o Inventário Municipal do Património.
Acrescente-se, ainda, que bem servido de transportes, com vários autocarros, eléctrico e, sobretudo, metropolitano.
Para mais os preços de venda de imobiliário praticados na zona eram dos menos especulativos pelo que o Bairro das Colónias oferecia a melhor garantia qualidade-preço de toda a cidade. Ora se eu era obrigado a ser proprietário de um apartamento, com o dinheiro do que vendi na periferia (Benfica), aí podia comprar uma excelente habitação com a melhor das localizações.
Qual não é o meu espanto quando, no dia 9 de Maio passado, leio no jornal Público, no Local, um artigo do jornalista Carlos Filipe intitulado Mobilidade: Ideia de Circular das Colinas de Lisboa vai ser recuperada. Túnel da Penha de França para desviar trânsito da Baixa. Um título que era todo um programa e cheio de boas intenções logo seguido de uma pequena explicação em jeito de sinopse: Plano de Urbanização do Vale de Santo António põe fim ao tabu dos novos túneis na capital. O custo está estimado em 15 milhões de euros. Ora é aqui que está o busílis. De uma forma acrítica e sem pesar consequências, o artigo é vendido aos leitores como um grande benefício para a cidade. E, de alguma maneira, a criação de uma circular que desvie o trânsito da Baixa até o poderá ser, desde que devidamente pensada.
É que cá está, parece-me que os nossos responsáveis municipais também só conhecem a cidade a partir da cartografia que têm à sua frente e não devem saber que a Rua de Angola, eixo viário central que divide o Bairro das Colónias em duas partes, é uma via de circulação automóvel, sim, e até de trânsito intenso e com uma pendente acentuada, mas é sobretudo uma rua residencial. Não se podem beneficiar áreas da cidade com prejuízo de outras. Ou será que os interesses e os benefícios de uns pesam mais que os de outros?
Quais as consequências, e qual o preço a pagar, que uma opção de gabinete poderá ter na qualidade de vida dos habitantes deste pacato bairro residencial?
Onde estão os estudos de impacto ambiental, sejam eles geomorfológicos, sociais, de saúde pública, etc. ?
Contarão os nossos políticos com a passividade de uma população maioritariamente envelhecida e pouco reivindicativa para levarem avante esta sua decisão?
Existe, poucos metros mais a norte, a saída perfeita para o dito túnel, se este for, de facto, imprescindível. Está lá, feita há décadas à espera, na Praça Olegário Mariano, como também adianta o artigo. E como esta circular nunca será linear, porque será sempre introduzida a martelo num tecido viário que não teve em consideração tal necessidade, é tudo uma questão de ajustarem as coordenadas do dito túnel.
Também a atractividade para mais 7500 residentes no Vale de Santo António a partir de 2014, como destaca o artigo, não é mais do que uma falácia especulativa, dado que não são necessárias mais construções novas em terrenos livres deste município. Existem habitações em número mais que suficiente no território edificado, basta apenas que sejam reabilitadas umas, renovadas outras, com os benefícios que aí adviriam para a saúde desta urbe. Não é insistindo num modelo urbanístico, que todos nós sabemos, à partida, incorrecto e nocivo que vamos evoluir. Novos espaços verdes, sobretudo com alguma dimensão, precisam-se, e o Vale de Santo António poderia ser uma excelente zona verde permeável. Como o topónimo indica, trata-se de um vale, por isso por lá se escoam as águas pluviais. Mas não vou entrar por aí.
Falar de novos túneis na capital já não será tabu, mas reflectir sobre eles impõe-se. E já agora, caro jornalista Carlos Filipe, não será tabu porquê? O excesso da circulação automóvel dentro da cidade mantém-se, e a necessidade de mais e melhores transportes públicos impõe-se. O túnel até poderia satisfazer a introdução de transportes não poluentes e menos pesados que o metro, como o eléctrico, por exemplo. Um dos papéis do bom jornalismo é informar, sim, mas também contribuir para formar uma opinião pública consciente. A crítica pode, e deve, ser construtiva.
Senhores edis, não destruam uma das poucas áreas residenciais que ainda vai oferecendo alguma qualidade de vida a quem nela habita e que nela apostou e que, ainda para mais, dela não pode fugir porque foi obrigado a comprar casa e fê-lo aqui porque acredita que viver no centro da cidade é possível e desejável.
Não queiram dar razão a quem diz que os políticos em geral, e os municipais em particular, estão nas mãos das imobiliárias e dos construtores civis. Outro modelo de gestão autárquica precisa-se. 
Por muito menos, houve em tempos um Zé que fazia falta. Onde estás Zé?
As crises sempre salvaram a cidade. Esperemos que esta o faça também.

Lisboa, 15 de Maio de 2011
J. Madeira Ventura»