sábado, 22 de dezembro de 2012

Património em risco: encerramento da padaria na Praça das Novas Nações



O Fórum Cidadania Lx  tem vindo a alertar para a necessidade de protecção de muito do património de Lisboa que se encontra em risco, seja por ameaças concretas, seja por se encontrar no limbo que é a incerteza do seu futuro quando vacante. É o caso da mais emblemática das padarias do nosso Bairro das Colónias, sita no gaveto da Rua de Angola, 1 com a Rua de Moçambique, 23-b, à Praça das Novas Nações


Constituído por um grupo de cidadãos empenhados, o Fórum Cidadania Lx desde 2008 tem vindo a apelar para que a Câmara Municipal de Lisboa classifique esta padaria, exemplar único, do melhor que a art déco produziu por cá enquanto espaço comercial no seu todo, ao nível dos estuques relevados do tecto, pavimento de lioz com cercadura de calcário de várias cores, balcão em três tons de mármore e expositor de lioz e, em particular, ao nível da azulejaria, produzida na desaparecida fábrica Lusitânia de Lisboa. 


Na sequência dos seus alertas foi publicado um artigo no Solonlineno passado dia 20, e ontem passou uma reportagem no noticiário da SIC, às 13 h. Nesta reportagem, para além de um membro do referido Fórum Cidadania Lx, Ana Alves de Sousa, que integra igualmente a Comissão de Moradores do Bairro Azul – bairro com grandes afinidades com o nosso- e conhecida activista na área do património construído, foi também entrevistado um representante da Comissão de Moradores do nosso bairro, Isaac Almeida.
Instalada num edifício projectado em Maio de 1933 pelo Eng. Pedro Nunes, que é também autor dos seus interiores e mobiliário, ambos concluídos em Janeiro do ano seguinte, a padaria manteve-se intacta até aos dias de hoje, sempre em actividade. 

Propriedade da PREGAL - Padarias Reunidas da Graça e Alfama, com sede na Avenida do Brasil nº 43 - 1º Dto, a padaria, de súbito, em 1 de Novembro passado, encerrou portas para remodelação, segundo informação afixada nas montras, em nome do progresso. Supostamente por imposição da ASAE que obrigaria à existência de um balcão frigorífico. Se assim foi, o que todos questionamos é se é este o modelo de progresso que interessa à cidade e ao seu património, porque em relação à saúde pública não há notícias de envenenamentos, doenças ou mortes por os balcões das padarias antigas serem de mármore. Que diriam os franceses, se lhes retirassem as suas baguetes embrulhados em papel de jornal, ou os alemães que nos governam e cuja capital mantém inúmeros espaços que segundo a Lei que por cá se aplica tão aguerridamente, seriam irremediavelmente fechados. 


Todavia, segundo relatos de pessoas cá do bairro, o verdadeiro motivo de encerramento terá sido outro que não a imposição da ASAE. A padaria terá sido encerrada pela má gestão da firma que a detém, que não soube fazer face aos custos de manutenção e aos fracos lucros, agravada pela saída, por reforma, da empregada que tinha ordenados em atraso.

Infelizmente não é caso único, embora do ponto de vista patrimonial intrínseco seja o mais relevante. Também a padaria da Rua do Forno do Tijolo, nº 26B-26C, com as suas paredes pintadas com paisagens, balcões e prateleiras de mármores, lambris de azulejo (liso e relevado) e pavimento de mosaico hidráulico marmoreado, fechou portas silenciosamente. Na montra, um cartaz anuncia estar à venda.  



Ainda subsiste a padaria da Rua do Forno do Tijolo 46 - B, igualmente art déco, com o seu balcão, bancadas e lambris, tudo de mármores a duas cores, pavimento com dois tipos distintos de calcário, em zig-zag, tectos com estuques relevados e demais elementos de época, intacta para delícia de muitos clientes e turistas que a fotografam.


As cidades são organismos vivos, e por isso mesmo tudo tem o seu tempo, mas é nossa obrigação prolongar no tempo o mais possível a existência do património que herdámos de modo a transmiti-lo às gerações vindouras como testemunhos inequívocos de uma época. Assim, mesmo quando um estabelecimento é encerrado por falta de viabilidade económica da actividade nele exercida, isso não implica obrigatoriamente a destruição das suas características arquitectónicas e decorativas aquando da sua transformação e adaptação a um novo uso. È tudo uma questão de saber adequar os espaços às novas funções, sem os descaracterizar. Isso só pode constituir uma mais-valia para o novo estabelecimento, seja o ramo de actividade que for. Num bairro em que, para além de novos habitantes que encontraram nele o que dificilmente encontram noutros bairros da cidade, também a actividade turística se faz sentir cada vez mais, dada a actractividade urbanística e arquitectónica da sua morfologia. O Art Déco está na ordem do dia, e Lisboa pode orgulhar-se de ainda preservar edifícios isolados e conjuntos urbanos inteiros desse estilo – caso do Bairro das Colónias - que só podem constituir motivo de orgulho para uma cidade que, apesar de todas as atrocidades de que tem vindo a ser alvo, ainda preserva.

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